Foi censura?


O banimento de Donald Trump do Twitter e de uma série de outras redes sociais – inclusive o Pinterest – trouxe à tona mais uma fragilidade do pensamento liberal. A conta @realDonaldTrump foi suspensa permanentemente na noite de sexta (8), dois dias depois de apoiadores do presidente dos Estados Unidos invadirem o Congresso, em ato violento que resultou em 5 mortes, durante a sessão que confirmaria Biden como o novo chefe de estado do país. A página da campanha do republicano (@teamtrump) também foi suspensa. Em uma tentativa desesperada de não ser calado, o atual presidente americano ainda usou a conta presidencial – @POTUS – para escrever aos seguidores sobre uma plataforma alternativa. Porém, as mensagens foram imediatamente deletadas pelo próprio Twitter. Desde as eleições de 2016, o republicano vem sendo acusado de propagar desinformação. Neste ano, alguns de seus posts chegaram a ser removidos pelas redes; outros vinham recebendo selos de alerta de “conteúdo duvidoso”. Neste novo estopim, as plataformas alegaram violação aos termos de uso, ao publicar conteúdos que foram considerados como desinformação e incentivo à violência.

Neste caso, nós tivemos um claro exemplo de uma empresa privada, com políticas próprias, fazendo o que bem entende dentro da sua própria plataforma. Sem interferência do governo. A pura – e falha – liberdade, tão defendida pelos simpatizantes do republicano e, não tão longe, pelos bolsonaristas no Brasil.

Eis que aqui temos dois pesos e duas medidas. Os liberais normalmente não se importam com denúncias de censura, com a falta de liberdade de expressão. Para eles, pensamentos contrários devem ser cerceados. Entretanto, quando se trata daqueles aos quais simpatizam, o cenário muda. Esbravejam contra as empresas e as acusam de censura. 

Acontece que o delírio é tão profundo e aceito entre esses grupos que há o esquecimento de alguns detalhes. A liberdade de expressão, apesar de ser um direito humano e fundamental, não é um direito absoluto. Ela não pode amparar comportamentos e manifestações do pensamento que não estejam em conformidade com a Constituição, por exemplo, que não admite intolerâncias, previstas inclusive no âmbito penal. A nossa legislação e também a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece valores fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, que são consagrados como verdadeiros princípios estruturantes do sistema jurídico de declaração dos direitos essenciais que assistem todas as pessoas.

Em suma, a liberdade de expressão tem limites. Joana Varon, diretora executiva da Coding Rights, disse em entrevista ao portal Gizmodo Brasil que esses limites estão em outras previsões legais, inclusive tipificadas como crimes, como injúria, racismo, crime contra LGBTs, entre outros.

Portanto, a livre manifestação do pensamento não pode ser contrária à própria lei penal. Isso rege a conduta no plano penal e também serve como um norte para as empresas utilizarem em suas próprias políticas – que não estão acima da legislação. O que significa que, no caso em questão, só houve conformidade com a política das empresas – plataformas -, que não aceita conteúdos que incitam a violência. Desta forma, não houve censura.

Neste sentido, é importante ressaltar – e esta é a nossa posição – a urgência de sistemas regulatórios constituídos democraticamente que possam limitar o poder conquistado pelas plataformas digitais. Ainda que tenhamos, no Brasil, o Marco Civil da Internet (regulamentada em 2016, uma das últimas ações da então presidente Dilma Rousseff), ainda temos uma série de lacunas abertas no que tange ações no ambiente digital. Não podemos ficar reféns ou depender exclusivamente da ação de empresas no enfrentamento a conteúdos delituosos. Se não for assim, qual será o limite da atuação dessas plataformas em situações semelhantes? Mais do que nunca, precisamos de uma atuação efetiva do poder público que nos ampare neste sentido, mas que também garanta o direito de usuários de se expressarem legitimamente – e legalmente – nesses espaços.