Nem todo mundo tem dimensão de realidades diferentes das suas. No Brasil, em especial, além da falta de noção do que ocorre por trás das manchetes, há também o fato de que muita gente simplesmente não se importa. O que acontece quando os mais vulneráveis não têm importância?
Neste domingo, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que o Brasil tem, hoje, mais pessoas na miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em 2011. Impactados com o fim do auxílio emergencial em dezembro, no mês de janeiro de 2021, 12,8% dos brasileiros passaram a viver com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8,20 ao dia), linha de pobreza extrema calculada pela FGV Social a partir de dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads) Contínua e covid-19.
No total, segundo projeção da FGV Social, quase 27 milhões de pessoas estão nessa condição neste começo de ano. A título de comparação, esse número representa mais que a população da Austrália. Um cenário completamente diferente de outros tempos. Durante os anos 2000, o crescimento econômico, o fortalecimento do mercado formal de trabalho, o aumento do salário mínimo e a expansão de políticas sociais contribuíram para o aumento da renda dos pobres no Brasil. Esses fatores levaram ao declínio de aproximadamente 80% na desigualdade entre 2003 e 2013, conforme o Banco Mundial. Estima-se que apenas o Bolsa Família seja responsável pela redução de 10% a 15% da desigualdade de renda observada nos anos 2000.
Com isso, questionamos: quem está a serviço da pobreza no Brasil?
Em 2019, em um café da manhã com representantes de veículos de imprensa, ao responder um questionamento do EL PAÍS sobre o aumento da pobreza e da desnutrição no país, Jair Bolsonaro disse: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”. Na época, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) mostrou que menos de 5,2 milhões de brasileiros passaram ao menos um dia inteiro sem comer ao longo do ano. Será mentira? Evidentemente que não. Na mesma época, dados do IBGE comprovaram que, em 2018, o Brasil retornou ao Mapa da Fome – lista de países com mais de 5% da população ingerindo menos calorias do que o recomendável.
Mudar este cenário não é um favor. É um direito constitucional e que deveria ser o alicerce de um governo. O Estado tem responsabilidade para com os mais pobres. Se não for assim, qual então a prioridade do governo? Mercado financeiro? Sem justiça social, não haverá suprimento das reais necessidades dos mais pobres.